Tese Nacional

PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT


SETORIAL NACIONAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - SNPCD

"Um Brasil Decente Não Discrimina Nenhum de Seus Filhos"

TESE APROVADA NO IV ENCONTRO NACIONAL DE PETISTAS COM DEFICIÊNCIA, REALIZADO EM BRASÍLIA – DF, NO PERÍODO DE 27 A 29 DE ABRIL DE 2012

"Quero convocar todos os que desejam o bem do Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis para o nosso país. É preciso agir com ousadia, determinação e criatividade em defesa dos interesses e das necessidades de nosso povo. É indispensável olhar com carinho para a nossa gente, buscando construir um país mais justo e mais solidário. É com essa perspectiva que assumo um compromisso: se for eleito Presidente da República, vou desenvolver e executar políticas públicas voltadas para o bem-estar das pessoas com deficiência. Políticas que, acima de tudo, criem oportunidades para que esses milhões de homens e mulheres possam viver com dignidade."
(Luis Inácio Lula da Silva - Setembro de 2002)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nós, do Setorial Nacional de Pessoas com Deficiência, elaboramos esta Tese, considerando ser este um ano eleitoral, com o objetivo de apresentar ao Partido dos Trabalhadores, uma proposta de construção da mudança paradigmática, representada pela qualificação e consolidação de uma Política Nacional para a Pessoa com Deficiência.

Imprimindo a marca do novo a partir de uma concepção democrática e popular, tal Política deve questionar a visão e os valores tradicionais acerca das formas como Estados e Municípios ainda concebem e atuam em suas políticas públicas voltadas para estas pessoas.

Vivemos um momento de singular significado histórico no Brasil, pois no ano de 2010, o povo brasileiro elegeu, pela primeira vez em sua história, uma mulher para presidir este país. Na conjuntura atual, em que vários atores sociais, representantes das elites, ainda teimam em impor a concepção de que a história do Brasil se reduz aos 512 Anos de colonização, nós, ao contrário, reafirmamos nossa convicção na história da resistência negra, índia, feminina e popular, ou seja, dos povos e dos setores excluídos desse processo civilizatório.

Neste sentido, o Setorial Nacional de Pessoas com Deficiência – SNPCD propõe e reafirma aos/às parlamentares e governantes e candidatos/as a cargos executivos e legislativos em todos os níveis, uma reflexão frente a nossa realidade.

A presente Tese está composta por duas partes. A primeira, mais teórica, busca informar sobre a problemática geral das pessoas com deficiência, e a segunda, com algumas diretrizes mais concretas, objetivando a apresentação de idéias, visando o aprimoramento da Política Nacional da pessoa com deficiência.

Parte I: O Governo Popular, as Políticas Públicas e as Pessoas com Deficiência

No marco da formação econômico-social do capitalismo e, mais especificamente na sociedade brasileira, que tem dentre suas características constitutivas tanto no seu processo de formação histórica quanto na sua dinâmica social dos dias de hoje, os aspectos de ser elitista, preconceituosa e discriminadora, a questão das pessoas com deficiência destaca-se como um singular caso de exclusão social.

Trata-se de um caso de dupla exclusão, que aqui é entendida como restrição ou impossibilidade de acesso aos bens sociais, incluindo-se aqueles relacionados com uma vida independente e auto-sustentada. A primeira e principal exclusão advém dos próprios mecanismos constitutivos da sociedade capitalista, em especial nos países periféricos e subdesenvolvidos, a de relegar extensos, senão majoritários contingentes populacionais a uma condição de miséria absoluta, ou, no máximo, de subsistência. A segunda exclusão é devida a condição da pessoa ter uma "diferença restritiva" nas áreas física, sensorial, cognitiva ou ainda comportamental, que situam-se em desacordo com os padrões estabelecidos como produtivos, eficientes, funcionais ou mesmo de beleza. Essa questão da "desconformidade" com os padrões, obviamente não é específica para as pessoas com deficiência, da mesma forma e com as especificidades de cada caso, ela também atinge outros setores excluídos socialmente: negros, mulheres, homossexuais, entre tantos outros.

Porém, diferentemente dos demais setores excluídos, para os quais há um nível de discussão e de denúncia das opressões, bem como um movimento social organizado e articulado em diversos níveis que, se ainda não são suficientes para a superação das respectivas exclusões, já constituem um patamar de visibilidade social mínimo, com as pessoas com deficiência, isso ainda não ocorre nesta proporção, acarretando portanto entraves adicionais para a eliminação da exclusão.

De fato, advindas das próprias limitações das suas diferenças restritivas, somadas a inadaptação do meio social (espaço construído, meios de transporte, acesso à educação, etc.) e agravadas sobretudo por uma visão e uma prática social assistencialista e paternalista com as quais suas questões são tradicionalmente entendidas e tratadas, as pessoas com deficiência têm sido historicamente objeto da ação e da piedade sociais. Essa condição, de "não-sujeito" da sua vontade, começa pouco a pouco a ser superada através das lutas de seus diversos movimentos sociais organizados, que no Brasil remontam a cerca de quatro décadas e que, em que pese terem obtido significativos avanços recentes, ainda não é suficiente para romper com o senso comum arraigado há séculos, senão milênios.

Pessoas com Deficiência: quem são e quantas são?
Estas perguntas básicas tem sido insistentemente formuladas, sem que ainda tenham sido satisfatoriamente respondidas. Qualquer planejamento, quer seja a partir de um simples projeto, quer principalmente seja por parte dos governos na elaboração de suas políticas públicas, deve buscar responder essas indagações. Propomos assim, que os governantes assumam o compromisso de realizar tais ações e políticas. A título de introdução, uma vez que foge ao objetivo da presente Tese aprofundar essa discussão, podemos apontar os seguintes indicativos.

As pessoas com deficiência não formam um grupo homogêneo. Por exemplo, as com déficit intelectual , com deficiência visual, auditiva ou da fala, as que têm mobilidade reduzida, ou as pessoas com deficiência múltipla, todas elas se defrontam com barreiras diferentes, apresentam características diferentes e que devem ser superadas de maneiras distintas.

A Organização Mundial de Saúde, pontua que nos países subdesenvolvidos, em tempos de paz, cerca de 10% da população possui algum tipo de deficiência.

No Brasil, o IBGE, através do Censo Demográfico de 2010, em sua Tabulação Avançada, destaca a existência de aproximadamente 24% do total populacional, composto por pessoas com algum tipo de deficiência, o que equivale a aproximadamente 45 milhões de habitantes, submetidos em sua maioria a brutais processos de exclusão social. Estes números dão a exata dimensão da importância de se ampliar no âmbito do Governo Federal e de se instituir, nos Estados e Municípios, uma Política voltada para as Pessoas com Deficiência.

Uma das características marcantes do ser humano é a diferença. Não existem duas pessoas iguais. É isso que torna cada indivíduo único. Encontramos dentre estas pessoas, uma enorme heterogeneidade de diferenças advindas de vários tipos de déficits ou lesões físicas, sensoriais e mentais, que evidenciam o fato de não constituírem tais pessoas um grupo, segmento ou outra denominação similar, quer do ponto de vista biológico, psicológico ou sociológico.

É importante frisar que, diferentemente de fatores como sexo e etnia, que se constituem em classificações humanas válidas do ponto de vista biológico, os padrões de "normalidade" são construídos socialmente e, portanto, variam no tempo e no espaço. O "normal" por conseguinte é uma concepção sociocultural e histórica.

Políticas Públicas
A permanente discussão entre identidade e diversidade que a questão da diferença suscita, vem ao encontro do que hoje se debate em termos de construção de um modelo político e econômico que dê conta das complexidades existentes e prementes em todas as áreas da vida humana, que demandam ações e políticas específicas. Cada vez mais, questões como a relativização de dogmas e determinismos de toda ordem, a inclusão da singularidade dos sujeitos envolvidos, em contraposição à ênfase exagerada na coletividade generalizante e generalizadora, a descoberta do valor e da importância dos processos subjetivos (que, sabe-se hoje, tem forte caráter político) em oposição à supremacia das estruturas materiais e objetivas, enfim, são aspectos que a esquerda de todo mundo reflete a partir das tentativas já feitas por construção de um novo modelo político.

O Partido dos Trabalhadores, na contemporaneidade, tem em suas mãos o grande desafio de não deixar sucumbir o sonho da construção de uma sociedade pautada em relações solidárias e justiça social, e ainda mais, de construir efetivamente os mecanismos para a reversão do quadro de exclusão social e das práticas autoritárias que predominam nas sociedades, em todos os níveis de governo.

A luta que se iniciou com um grupo de pessoas com deficiência contra a segregação social tem os mesmos preceitos da luta pela desconstrução de valores éticos que sustentam e legitimam a sociedade capitalista, pautada na desigualdade social. Colocando um ser humano contra o outro, privilegiando uma capacidade produtiva massificada, num jeito cartesiano de pensar modelos economicamente produtivos, mata a singularidade e a subjetividade.

A transformação social e a mudança cultural, necessárias neste caso, não são meramente ações a serem feitas, não se constituem num fenômeno espontaneísta. Necessitam de políticas públicas conseqüentes, intersetoriais e articuladas, que contemplem as diversas dimensões da vida humana. Aqui não se trata de uma questão de assistência social, apesar de incluí-la. É, sim, uma questão de educação, saúde, cultura, trabalho, etc. É uma questão de cidadania e de acesso universal a todos os bens e serviços disponíveis à sociedade.

Inclusão social, igualdade, no sentido de equiparação de oportunidades, tampouco, é uma aglutinação de seres diversos numa multidão sem intercâmbio ou crescimento para qualquer uma das partes. Necessita de vontade política, pois não se sustenta por decreto.

Em uma sociedade de massas como a nossa, as políticas públicas têm que necessariamente assumir a condição de serem "políticas generalistas", no sentido de atender o maior número possível de situações. Acontece que essa condição as faz não atender, ou atender precariamente, aqueles que, por possuírem "diferenças" em relação ao padrão/norma, requerem procedimentos e adequações específicas, independentemente dos valores a serem gastos ou do número de pessoas a serem atendidas.

Se ponderarmos as considerações anteriores quanto ao número de pessoas com deficiência e acrescentarmos que elas, via de regra, não vivem sozinhas, ou seja, têm família, amigos, etc., ou seja estão inseridas, em que pese as precariedades dessa inserção, na vida comunitária e social, veremos que, se elas constituem uma "minoria" social, é tão somente do ponto de vista de acesso às oportunidades e ao poder, e nunca em seu aspecto numérico.

Esta constatação, por si só, justifica a necessidade de adequação das políticas públicas, no sentido de dotá-las de condição de atenderem às demandas da população real, quer seja com deficiência ou não.

Porém, como conseqüência de nosso ainda precário estágio de desenvolvimento social, além da herança cultural que relega para as pessoas com deficiência um papel absolutamente dependente e subordinado nesse processo, as políticas sociais tradicionais reservam e canalizam para a Assistência Social as demandas dessa área. Ainda é dominante o senso comum que entende que essas demandas são restritas à área desta política pública.

A Assistência Social é, sem dúvida, uma importante Política para as pessoas com deficiência, uma vez que nossa realidade perversa e excludente, coloca um imenso contingente populacional na faixa da pobreza absoluta, para quem a Assistência Social, construtiva e transformadora, tem um amplo campo de trabalho. O erro é limitar todo um conjunto de políticas voltadas para a questão das pessoas com deficiência, que no seu conjunto tem um extraordinário poder questionador da sociedade capitalista e de seus valores culturais e simbólicos, a uma questão meramente assistencialista, sendo portanto dever do Poder Público implementar mecanismos para essa quebra de paradigma.

Se, como objetivo máximo, as pessoas com deficiência almejam Igualdade de Oportunidades, Plena Participação, Protagonismo, Vida Independente e Auto-suficiência Econômica, visando passarem a ser cidadãs produtivas e inseridas na vida social, cabe ao Estado, em todos os seus níveis de governo, como impulsionador e regulador das relações sociais, promover essa transição. Portanto, é imperativo que deixe de ter a postura ambígua que tradicionalmente o tem caracterizado, por um lado afirmando a vida independente como meta e, por outro lado, construindo significativos obstáculos para a sua concretização.

Parte II: Qualificação e Consolidação de uma Política voltada às pessoas com deficiência

Esta parte é constituída pelas seguintes diretrizes:
  1. Articulação das ações em todas as áreas da Administração pública;
  2. Participação das pessoas com deficiência e seus familiares ou responsáveis, por meio de suas entidades representativas, no planejamento, execução e avaliação da Política, através dos órgãos de controle social, especialmente os conselhos de defesa de direitos das pessoas com deficiência;
  3. Definição, regulamentação e implementação da legislação relativa aos direitos das pessoas com deficiência; 
  4. Criação de órgãos de articulação e gestão de políticas para as pessoas com deficiência, garantindo o protagonismo destas, bem como de conselhos de defesa de direitos, assegurando condições para sua manutenção e funcionamento, bem como o fortalecimento dos Conselhos já existentes;
  5. Adoção, por parte dos Estados e Municípios, em cada uma das suas políticas públicas setoriais, dos preceitos contidos no "Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência" da Organização das Nações Unidas – ONU e na Convenção Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Entendendo que as políticas sociais em um Governo Democrático e Popular devem se fundamentar nos eixos Afirmação de Direitos e Inclusão Social, nossa proposta de Políticas públicas para as Pessoas com Deficiência pode ser resumida em Inclusão, Protagonismo e Integração Social, Respeitando às Diferenças e garantindo a Equiparação de Oportunidades.

Propostas para a construção de uma política para as pessoas com deficiência
A Política a ser executada nas três esferas de governo deve se estruturar a partir de 3 eixos:
  1.  acessibilidade universal, com o protagonismo das pessoas com deficiência.
  2.  articulação e implementação de redes de serviços; e
  3.  participação da sociedade na elaboração das políticas e no controle de sua implantação e execução cotidiana. 

Ações a serem implantadas/implementadas
  1. Desenvolver programas voltados para a criação de centros de atendimento e reabilitação que incluam serviços de atenção nas áreas médica, social e de educação, com equipes multiprofissionais. Esses centros deverão também executar ações de orientação e mobilidade.
  2.  Promover campanhas permanentes sobre prevenção, direito das pessoas com deficiência e incentivo à doação de órgãos; 
  3.  Descentralizar a concessão de órteses e próteses e estimular as iniciativas comunitárias de habilitação e reabilitação;
  4.  Estimular a realização de estudos e pesquisas e produção de equipamentos e tecnologias para uso das pessoas com deficiência; 
  5.  Assegurar o direito à comunicação e à cultura inclusiva das pessoas com deficiência, com estímulo à produção de textos em formato acessível, e, na mídia, implementar programação legendada com Libras e audiodescrição; 
  6.  Obrigatoriedade na execução de políticas públicas, com vistas a eliminação de barreiras atitudinais, arquitetônicas, de comunicação e informação, através da adequação dos transportes, prédios públicos, privados e logradouros; 
  7.  Obrigatoriedade na eliminação de barreiras atitudinais, arquitetônicas e de comunicação e informação em todas as edificações do Partido dos Trabalhadores, em nível nacional, distrital, estadual e municipal, bem como fomentar formação continuada, através da Fundação Perceu Abramo, sobre a temática das pessoas com deficiência, garantindo em todos os eventos a acessibilidade universal; 
  8.  Estabelecer diretrizes que incorporem as especificidades das pessoas com deficiência em todos os projetos habitacionais, bem como criar mecanismos para a sua fiscalização;
  9. Promover a igualdade de oportunidades, visando a qualificação profissional, garantindo a inserção, inclusão e adequação das pessoas com deficiência no mundo do trabalho, não permitindo que a Lei 8.213/91 (Lei de quotas) seja alterada, evitando-se retrocessos na política das pessoas com deficiência;
  10. Criar mecanismos que estimulem as empresas a adequar seus métodos de trabalho, instalações físicas e transportes, visando a contratação de pessoas com deficiência, promovendo uma efetiva fiscalização destas contratações;
  11.  Implementar políticas de esportes, cultura e lazer para as pessoas com deficiência, com ênfase nas crianças e adolescentes; 
  12.  Garantir educação inclusiva e promover formação continuada dos trabalhadores, qualificando-os, Dotar os estabelecimentos de ensino de equipamentos, com pessoal de apoio com treinamento específico na área e disponibilizar material pedagógico adequado, assim como implantar classes hospitalares. 
  13.  Implantar/implementar órgãos distritais, estaduais e/ou municipais, com poder político e financeiro para a execução de ações, projetos e programas voltados para as pessoas com deficiência, garantindo seu protagonismo e envolvendo pessoas comprometidas;
  14.  Implantar/implementar Conselhos Estaduais e/ou Municipais de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, objetivando o fortalecimento do controle social. 
  15. Avançar no processo político partidário, transformando o setorial de pessoas com deficiência em secretaria nacional, com infraestrutura adequada, e sensibilizando os dirigentes petistas para esse tema; e 
  16. Criar mecanismos punitivos e/ou sanções para os governantes e a sociedade em geral, sempre que houver desrespeito ao cumprimento da legislação pertinente as pessoas com deficiência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclui-se que a questão das pessoas com deficiência, complexa que é, não será equacionada a partir de ações setoriais ou isoladas. Ao invés disso está diretamente vinculada à superação dos mais relevantes problemas de desenvolvimento e justiça social em nosso país.

As pessoas com deficiência sabem que os avanços da ciência e da tecnologia atuais, no alvorecer do século 21, podem apoiar seus processos de independência em uma proporção nunca antes vista. Porém, esse potencial, para ser plenamente exercido, requer uma ação conjunta e dedicada de todos os setores da sociedade, responsáveis pelas políticas públicas, organizações não-governamentais, setor privado, mídia, além é claro, das próprias pessoas com deficiência e suas entidades representativas e a comunidade em geral.

O movimento das pessoas com deficiência em direção a uma vida independente e auto-sustentada é um desafio à nossa democracia social.

(Adaptado do Documento "Proposta Setorial para o Governo Lula 2002)

ANTÔNIO JOSÉ DO NASCIMENTO FERREIRA

Coordenador
Brasília, 29 de abril de 2012

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